Sobre fábulas e porcos
A fábula que abaixo tirei de internet já a
conhecia há alguns anos, quando ainda circulavam cópias mais resumidas,
datilografadas e copiadas em mimeógrafo.
Creio
ser pertinente sua inserção neste livro porque passei por experiências
semelhantes ao participar de projetos interministeriais, com ministérios civis
onde havia muitos especialistas graduados divididos em uma colossal estrutura.
Boa parte com quarto e quintos graus de educação, inclusive com especializações
no exterior.
O
que mais chamou atenção foi a dificuldade de se conduzir tarefas mais simples e
partes do projeto maior, uma vez que a velocidade advinda do “by pass” (atalho)
da rígida tramitação administrativa de alguns setores de ministérios civis
(protocolo, “tem que ter a assinatura de tal setor”, etc.) era substancialmente
reduzida, quando não o movimento e tramitação paravam totalmente.
Dava-me
a impressão de que simplificar a dar velocidade aos processos era proibitivo,
uma vez que não justificaria a existência de muitos setores. Destarte, a
economia de meios, eficiência e produtividade eram severamente comprometidas.
Por serem todos atores e organizações partícipes da estrutura pública, não
havia qualquer preocupação com a competitividade.
Após
tal exaustiva experiência consegui recuperar essa fábula que acabei por
adaptá-la e repassar para funcionários. Vale uma atenta leitura e reflexão.
***
Certa
vez, aconteceu um incêndio num bosque onde havia alguns porcos, que foram
assados pelo fogo. Os homens, acostumados a comer carne crua, experimentaram e
acharam deliciosa a carne assada. A partir daí, toda vez que queriam comer
porco assado, incendiavam um bosque... Até que descobriram um novo método.
Mas
o que quero contar é o que aconteceu quando tentaram mudar o SISTEMA para
implantar um novo. Fazia tempo que as coisas não iam lá muito bem: as vezes, os
animais ficavam queimados demais ou parcialmente crus. O processo preocupava
muito a todos, porque se o SISTEMA falhava, as perdas ocasionadas eram muito grandes
- milhões eram os que se alimentavam de carne assada e milhões os que se
ocupavam com a tarefa de assa-los. Portanto, o SISTEMA simplesmente não podia
falhar. Mas, curiosamente, quanto mais crescia a escala do processo, mais
parecia falhar e maiores eram as perdas causadas.
Em
razão das inúmeras deficiências, aumentavam as queixas. Já era um clamor geral
a necessidade de reformar profundamente o SISTEMA. Congressos, seminários e
conferencias passaram a ser realizados anualmente para buscar uma solução. Mas
parece que não acertavam o melhoramento do mecanismo. Assim, no ano seguinte,
repetiam-se os congressos, seminários e conferências.
As
causas do fracasso do SISTEMA, segundo os especialistas, eram atribuídas a
indisciplina dos porcos, que não permaneciam onde deveriam, ou a inconstante
natureza do fogo, tão difícil de controlar, ou ainda as arvores, excessivamente
verdes, ou a umidade da terra ou ao serviço de informações meteorológicas, que
não acertava o lugar, o momento e a quantidade das chuvas.
As
causas eram, como se vê, difíceis de determinar - na verdade, o sistema para
assar porcos era muito complexo. Fora montada uma grande estrutura: maquinário
diversificado, indivíduos dedicados exclusivamente a acender o fogo -
incendiadores que eram também especializados (incendiadores da Zona Norte, da
Zona Oeste, etc., incendiadores noturnos e diurnos - com especialização
matutina e vespertina - incendiador de verão, de inverno, etc.). Havia
especialista também em ventos - os “anemotecnicos”. Havia um diretor geral de “assamento”
e alimentação assada, um diretor de técnicas ígneas (com seu Conselho Geral de
Assessores), um administrador geral de reflorestamento, uma comissão de
treinamento profissional em “porcologia”, um instituto superior de cultura e
técnicas alimentícias (ISCUTA) e o bureau orientador de reforma “igneooperativas”.
Havia
sido projetada e encontrava-se em plena atividade a formação de bosques e
selvas, de acordo com as mais recentes técnicas de implantação - utilizando-se
regiões de baixa umidade e onde os ventos não soprariam mais que três horas
seguidas.
Eram
milhares de pessoas trabalhando na preparação dos bosques, que logo seriam
incendiados. Havia especialistas estrangeiros estudando a importação das
melhores arvores e sementes, o fogo mais potente etc. Havia grandes instalações
para manter os porcos antes do incêndio, além de mecanismos para deixá-los sair
apenas no momento oportuno.
Foram
formados professores especializados na construção dessas instalações.
Pesquisadores trabalhavam para as universidades para que os professores fossem
especializados na construção das instalações para porcos. Fundações apoiavam os
pesquisadores que trabalhavam para as universidades que preparavam os
professores especializados na construção das instalações para porcos etc.
As
soluções que os congressos sugeriam eram, por exemplo, aplicar triangularmente
o fogo depois de atingida determinada velocidade do vento, soltar os porcos 15
minutos antes que o incêndio médio da floresta atingisse 47 graus e posicionar
ventiladores gigantes em direção oposta a do vento, de forma a direcionar o
fogo. Não é preciso dizer que os poucos especialistas estavam de acordo entre
si, e que cada um embasava suas ideias em dados e pesquisas específicos.
Um
dia, um incendiador categoria AB/SODM-VCH (ou seja, um acendedor de bosques
especializado em sudoeste diurno, matutino, com bacharelado em verão chuvoso)
chamado João Bom-Senso resolveu dizer que o problema era muito fácil de ser
resolvido - bastava, primeiramente, matar o porco escolhido, limpando e
cortando adequadamente o animal, colocando-o então numa armação metálica sobre
brasas, até que o efeito do calor - e não as chamas - assasse a carne.
Tendo
sido informado sobre as ideias do funcionário, o diretor geral de “assamento”
mandou chamá-lo ao seu gabinete.
Depois
de ouvi-lo pacientemente lhe disse:
"Tudo
o que o senhor disse está muito bem, mas não funciona na prática. O que o
senhor faria, por exemplo, com os “anemotecnicos”, caso viéssemos a aplicar a
sua teoria? Onde seria empregado todo o conhecimento dos acendedores de
diversas especialidades?".
"Não
sei", disse João.
"E
os especialistas em sementes? Em árvores importadas? E os desenhistas de
instalações para porcos, com suas maquinas purificadores automáticas de ar?".
"Não
sei".
"E
os “anemotécnicos” que levaram anos especializando-se no exterior, e cuja
formação custou tanto dinheiro ao país? Vou manda-los limpar porquinhos? E os
conferencistas e estudiosos, que ano após ano tem trabalhado no Programa de
Reforma e Melhoramentos? Que faço com eles, se a sua solução resolver
tudo?
"Não
sei", repetiu João, encabulado.
"O
senhor percebe, agora, que a sua ideia não vem ao encontro daquilo de que
necessitamos? O senhor não vê que se tudo fosse tão simples, nossos especialistas
já teriam encontrado a solução há muito? O senhor, com certeza, compreende que
eu não posso simplesmente convocar os “anemotécnicos” e dizer-lhes que tudo se
resume a utilizar brasinhas, sem chamas! O que o senhor espera que eu faça com
os quilômetros e quilômetros de bosques já preparados, cujas arvores não dão
frutos e nem tem folhas para dar sombra? Vamos, diga-me?".
"Não
sei, não, senhor".
"Diga-me,
nossos três engenheiros em “porcopirotecnia”, o senhor não considera que sejam
personalidades cientificas do mais extraordinário valor?".
"Sim,
parece que sim".
"Pois
então. O simples fato de possuirmos valiosos engenheiros em “porcopirotecnia”
indica que nosso sistema é muito bom. O que eu faria com indivíduos tão
importantes para o pais?"
"Não
sei".
"Viu?
O senhor tem que trazer soluções para certos problemas específicos - por
exemplo, como melhorar as “anemotécnicas” atualmente utilizadas? Como obter
mais rapidamente acendedores de Oeste (nossa maior carência)? Ou como construir
instalações para porcos com mais de sete andares? Temos que melhorar o sistema,
e não o transformar radicalmente, o senhor, entende? Ao senhor, falta-lhe
sensatez!".
"Realmente,
eu estou perplexo!", respondeu João.
"Bem,
agora que o senhor conhece as dimensões do problema, não saia dizendo por aí
que pode resolver tudo. O problema é bem mais sério e complexo do que o senhor
imagina. Agora, entre nós, devo recomendar-lhe que não insista nessa sua ideia
- isso poderia trazer problemas para o senhor no seu cargo. Não por mim, o
senhor entende. Eu falo isso para o seu próprio bem, porque eu o compreendo,
entendo perfeitamente o seu posicionamento, mas o senhor sabe que pode
encontrar outro superior menos compreensivo, não é mesmo?".
João
Bom-Senso, coitado, não falou mais um "a". Sem se despedir, já meio
atordoado, meio assustado com a sua sensação de estar caminhando de cabeça para
baixo, saiu de fininho e ninguém nunca mais o viu.
Fonte:
Internet
Autor
desconhecido ou ignorado
(Visite: www.adastrapilot.com)