Durante uma palestra sobre vendas dias atrás um espectador
fez a seguinte pergunta ao palestrante: “Quantas vezes pode se errar? Quantas
vezes o erro é tolerável? ”
Bem, parece ser uma pergunta difícil e, até, delicada. Diria
eu: “Quantas vezes for necessário! ”
Uma resposta paradoxal. Como errar pode se necessário? Sim, é
e deve ser necessário. Contudo esse erro necessário dependerá de muitos
fatores, de quem lidera e de quem está errando.
Bem, falando de minha experiência como gestor e líder, após
muitos anos e mais de 400 colaboradores diretos sob minha égide, sempre
estimulei o erro honesto, o erro bom.
Durante reuniões e em brifings antes de voos, atividades de
manutenção de aeronaves (aviões e helicópteros) ou mesmo em atividades
operacionais conjuntas (outros órgãos -civis ou militares- envolvidos) eu
alertava para a necessidade de não esconder os erros, por menores que fossem. O
principal motivo: Investigar a causa, o fator deflagrador do erro.
Como uma organização militar tem os mesmos graus de
complexidade de uma grande empresa privada (a principal diferença é a constante
vigilância do Tribunal de Contas da União e Ministério Público não corriqueiras
na gestão de empresas privadas) as atividades e processos sistêmicos carecem de
constante acompanhamento.
Salientava naquelas ocasiões que qualquer, absolutamente
qualquer ação, positiva ou negativa, em um determinado setor tinha impactos de
graus diferenciados nos demais setores. Assim, um atraso, um procedimento
incompleto ou feito de forma parcial oriundo no setor de manutenção tinha
impactos nos setores de RH, Financeiro, Logístico, T.I, Relações Institucionais
(Marketing), etc. A rigor, o mesmo ocorre nas empresas privadas.
Em aulas friso aos alunos para fugirem da “síndrome do
Pequeno Príncipe” cuja melhor representatividade é ele sentado em um trono,
admirando uma flor tendo ao lado uma raposa, só que em um planeta desabitado. Usava
essa metáfora também nas atividades de liderança para ressaltar a importância
do zelo nas atividades pois poderia prejudicar as metas de outros setores.
O erro honesto
Sempre, como líder, considerei as origens dos erros da
seguinte forma (desconsidero o erro intencional):
·
O funcionário não estava preparado
para a atividade: Se fosse comum, a origem também envolvia os critérios de
recrutamento e de seleção não adequados o que demandaria tempo e recursos para
capacitação do colaborador;
·
O erro aparecia de forma eventual:
Meu foco ficava adstrito à problemas de ambiência, ergonômicos (uniforme, EPI,
equipamentos, software, etc), problemas de instruções escritas ou faladas);
·
O erro ocorria em função da atividade
realizada não estar conforme com as normas e instruções escritas: Tal erro não
era frequente e era “cometido” até por profissionais experientes e cuidadosos. Nesse
particular era importante acompanhar o processo de atualização de diretrizes,
normas, regulamentos e avisos, tanto oriundo de órgãos públicos como entidades
privadas (empresas de auditoria privada, de certificações, especificações de
clientes não observadas, etc).
Procurava manter o foco nessas três formas de manifestação do
erro. O importante é que ele precisava ser investigado, corrigido e sua
incidência coibida de ser repetida.
O erro “não-bom”
Por cerca de dezesseis anos trabalhei no Sistema de
Investigação e de Prevenção de Acidentes Aeronáuticos como Oficial de Segurança
de Voo ou em outras atividades que alimentavam, diretamente, o sistema. Naquela
ocasião aprendi que cerca de 90% dos acidentes e dos incidentes aeronáuticos
são causados por “Erro Humano”. Por decorrência também fazia prevenção de
acidentes de trabalho e o fator motivacional era o mesmo. Do que aprendi e
retive como ensinamentos foram as seguintes causas de erros humanos:
·
Imperícia;
·
Imprudência;
·
Não seguir “checklists”, normas
orientadoras e diretrizes;
·
Falta de preparo para identificar o
erro; e
·
Identificar erros e condescender com
eles (contornar situações de erro para não se ferir susceptibilidades)
Os erros oriundos dessas práticas via de regra conduziam a um
acidente ou incidente, tanto aéreo como de trabalho.
De PDCA para SDCA
Portanto, salientava nos brifings e gerenciamento de
atividades operacionais que em todos os processos e sistemas a ocorrência do
erro é comum pois estes precisam, constantemente, ser acompanhados, avaliados,
corrigidos e atualizados. Usava para esse fim, na mais singela concepção do
estatístico Deming o exemplo do ciclo PDCA (Planejar, Fazer, Verificar e
Corrigir) tinha sua concepção na verificação constante sobre erros que ocorriam
após todo o ciclo de planejamento ser cumprido. Se o erro tivesse frequência
que comprometesse a qualidade ou a produtividade, o ciclo era refeito,
percorrido quantas vezes se fizesse necessário até atingir um nível de
excelência ou de ocorrência de erros tolerável, quando então o processo evoluía
para um SDCA, sendo o “S” de “standard” ou “padronização”.
Realidade brasileira
Como toda atividade de liderança também é uma atividade de
formação, orientava os líderes setoriais sob minha égide a considerarem a incidência
dos fatores do macroambiente que contribuíam, sobremaneira, para existência de
erros de toda sorte.
Os serviços públicos nacionais não são regulares e de
qualidade questionável, tais como fornecimento de energia elétrica,
transportes, telecomunicações, saneamento básico, mobilidade urbana, etc. Sobre
esses serviços clientes, fornecedores e demais setores da mesma organização tem
expectativas de desempenho de um determinado setor que pode ser comprometido.
Os setores dependentes deveriam se preocupar em entender a possibilidade do “erro”
na promoção do produto ou do serviço antes de lançar uma crítica feroz ao setor
responsável.
Da mesma forma, vivemos sob a égide de um Estado “cartorialista”
profuso em leis, diretrizes, normas, avisos etc por vezes regulando uma mesma
atividade em estados diferentes da federação (ex: fiscalização, tributos, etc)
o que também contribui para a “existência de um erro” da empresa, sob o ponto
de vista do cliente, quando um atraso ou mudança de critérios do uso do produto
ou serviço ocorre.
***
Por fim, reconheço que em ambiente de alta competitividade,
sobretudo no atual cenário de severas restrições econômicas, a tolerância para
o erro reduz-se substancialmente. Todavia insisto nessa perspectiva para
encorajar seus colaboradores e não vir a perder uma “mão de obra” não só cara,
mas, também, de difícil e onerosa preparação em busca da excelência.
Pense nisso e sucesso.